BRASILEIRADIÁLOGOS

Letrux entre poemas e canções

A artista carioca tem apresentado o show Línguas&Poesias, um diálogo entre música e poesia

Poderia dizer que a interseção entre poema e canção se dá pelo ritmo, pelas intensidades vocais e sonoras. A voz, sobretudo, encontra abrigo nas interfaces de uma escrita poética, na montagem de encontros e realocamentos. No poema, o ritmo sobressaí pelas palavras, na canção, as melodias e os arranjos parecem guiar esse percurso.

Potencializando os destaques do poema e da canção, Letícia Novaes apresenta seu show Línguas&Poesias.
A artista carioca tem um longo trajeto dentro da música brasileira e hoje estampa um dos projetos mais autênticos e vibrantes dos últimos tempos: Letrux.

Ricardo Basbaum (artista visual) explana um conceito no qual Letrux parece fazer parte, o Artista-etc. Dentro dessa ideia está a possibilidade de se percorrer caminhos em busca de uma formação de si como artista. Basbaum afirma, em seu livro “Manual do Artista-etc”, que: “Quando um artista é artista em tempo integral, nós o chamaremos de ‘artista-artista’; quando o artista questiona a natureza e a função de seu papel como artista, escrevemos ‘artista-etc’”.

Letícia Novaes é poeta, cantora, compositora, instrumentista e atriz, para dizer dos espaços nomináveis, e não parece se contentar em oferecer ou explorar apenas uma dessas faces de cada vez. Seu novo show – que vem acontecendo em paralelo ao aclamado “Em Noite De Climão” (2017) – diz de seus variados interesses.

Acompanhada por Thiago Vivas no piano e Lourenço Vasconcellos no vibrafone, Letrux usa sua voz para primeiro dizer um poema e só depois entoar uma canção – seguindo uma estrutura, o show começa com um poema, o “É Preciso Aprender A Ficar Submerso” do poeta carioca Alberto Pucheu, e em seguida vem uma música, “Caravanas” de Geraldo Azevedo, um poema e depois uma canção.

Os poemas são todos declamados em português, enquanto as canções percorrem diferentes línguas (português, espanhol, italiano e inglês). Autores como Carlos Drummond de Andrade, Hilda Hilst, Clarice Lispector e Sylvia Plath, aparecem ao lado de canções de Geraldo Azevedo e Paralamas do Sucesso, para citar apenas alguns.

Em entrevista à Tv Autêntica de Belo Horizonte, Letícia sublinha que, com o apoio dos pais, teve privilégio (e tempo) de desenvolver seus dons artísticos. Toda a sua performatividade enquanto atriz, sua escrita enquanto poeta e compositora são questões colocadas para o público desde Letruce, sua antiga banda com Lucas Vasconcellos. Agora, em Línguas&Poesias, essas nuances ganham outra intensidade. Com aspectos mais fluídos e amenos a Artista-etc percorre diferentes linguagens a fim de se colocar ainda mais próxima do público.

Na última quarta-feira (13) Letrux apresentou Línguas&Poesias no Manouche, no Rio de Janeiro. Alberto Pucheu esteve presente no show. Aproveitando esse encontro, conversei um pouco com o poeta para visualizar aquilo que parece atravessar a vida íntima de Letícia Novaes e percorrer o palco.

As possiblidades por trás da palavra “interpretação” vão de encontro com o show apresentado. Há a possibilidade de uma interpretação crítica/literária, que pensa o poema, ou nas palavras de Pucheu, fala “o que o poema não diz exatamente, mas aquilo que o poema poderia estar implicitamente pensando, aquilo que o poema poderia dizer”, e há uma interpretação que reside em um sentido musical, onde a execução musical adquiri aspectos pessoais do interprete. Uma forma de adentrar algo que já existe, sem mudar nenhuma só palavra, mas dar um corpo novo a canção. O campo musical permite o encontro entre esses dois modos interpretativos.

Pucheu afirma que: “Letrux faz isso muito bem. Grande cantora que é, e grande interprete musical, ela também se torna uma grande interprete do poema, dos poemas que ela está interpretando. Quando ela interpreta o poema [no sentido da performance], ela interpreta também o poema em um sentido crítico de outra maneira”. A cantora se apropriar do poema ao incorpora-lo, emprega uma nova forma de ler, dizer e expressar os versos.

Como quem aprende com o poema, mas também lhe empresta muito de si, Letrux segue o caminho apresentado. Aprende a ficar submersa, por algum tempo; aprende que é preciso aprender, com o poema, formas para não desistir; aprende que “é preciso aguentar ficar submerso/ até que o voluntarioso vulcão de água/ arremesse você de volta para fora dele”. Do lado de fora, depois de atravessar o poema, há um cais; depois dos caldos de água “corra não pare, não pense demais/ repare essas velas no cais/ que a vida é cigana/ é caravana”.

O show começa com “É Preciso Aprender A Ficar Submerso”, poema de Alberto Pucheu, e termina com “A Paixão grega”, poema de Herberto Helder. Um poeta brasileiro inicia o percurso e um poeta português o fecha. Entre línguas e poesias, a língua portuguesa abre e fecha esse espaço performático, potente e íntimo.

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Letícia Miranda

Artista visual e poeta, Letícia se interessa pelas interseções entre poesia e som, poesia e imagem. Por meio de recortes busca ligar o que parece distante. Está há mais de dois anos escrevendo sobre, e a partir, da música. Além de colunista da Escuta atua como redatora no Música Pavê.

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