DIÁLOGOS

O espaço do olhar entre Serviço e Janela da Alma

O encontro de Castello Branco com Walter Carvalho e João Jardim

Ao pensarmos em imagens é necessário explorar as dimensões, e assim, abrir espaço para uma visualização profunda – sair do bombardeio diário de informações que os olhos acumulam. Acessar o visível para além das questões que permeiam a superfície nos permite dar a volta. Saramago disse uma vez que “para conseguir ver as coisas é preciso dar a volta”. Ir e voltar, percorrer o caminho afim de encontrar o desconhecido. Ouvir Serviço (2013), primeiro disco do carioca Castello Branco, depois de ver Janela da Alma (2004), documentário de Walter Carvalho e de João Jardim, escancara a importância de entrar na vida com os olhos (e ouvidos) bem abertos para o sensível.

Os olhos não funcionam como uma janela – não são (apenas) orifícios pelos quais se olha, eles interferem no mundo. O observar não passivo resulta em vida ativa e instiga a formação de cenas.

Essa perspectiva é apresentada por Oliver Sacks (neurologista e escritor) no documentário aqui citado. O ato de ver denuncia a forma como olhamos para a vida ao nosso redor, além disso, denuncia o que ouvimos e como ouvimos.

As canções de Castello Branco não são sobre montar paisagens, quase todas as faixas apresentam um modo de vida, uma forma de ver a vida. Mas em uma das faixas mais delicadas do disco uma cena nítida se faz. Em “As Minhas Mães” temos uma casa e um nascimento. Tudo acontece ali, de forma íntima. Enquanto ouvintes, imaginamos. Inventamos formas de acessar essa cena.

Manoel de Barros dirá, em Janela da Alma, que “a imaginação é que traz ver. Que transfigura o mundo, que faz outro mundo”. Castello nos dá a chance de imaginar, de respirar em um outro tempo.

É possível dar a volta completa em Serviço, ver e ouvir as vozes, o enlace dos sons, o violão, o silêncio… Não há como retornar ao início do disco ileso(a). Há seis anos ouço o dedilhar de “Anu” e não há como voltar a ver o mundo da mesma forma.

Os olhos não percorrem o mundo sozinhos. O filme dos cineastas brasileiros apresenta diversas vozes que elucidam o espaço do olhar em seus atos de criação, em seus desdobramentos poéticos. Entre diretores e diretoras, poetas e músicos, há um fotógrafo cego. Para Eugen Bavcar a espacialidade é uma forma de ver. Estar em contato com o lugar onde se está é uma forma de ver. Eis o difícil exercício de se colocar de forma presente no mundo.

O disco de Castello é uma evidência muito forte do lugar onde ele cresceu – um monastério no interior do Rio de Janeiro – o Núcleo de Serviço Crer-Sendo.

Não há dúvidas que a afetividade faz desse trabalho uma obra atenta ao desenvolvimento, ao olhar para o próximo.

Seja pelo documentário ou pelo disco, algo sobre presença visível se apresenta como uma possibilidade de ver e estar. Talvez uma outra porta para o ser.

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Letícia Miranda

Artista visual e poeta, Letícia se interessa pelas interseções entre poesia e som, poesia e imagem. Por meio de recortes busca ligar o que parece distante. Está há mais de dois anos escrevendo sobre, e a partir, da música. Além de colunista da Escuta atua como redatora no Música Pavê.

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