
Fazem três anos que me mudei de Minas Gerais para Foz do Iguaçu (Paraná) e minha experiência tem sido muito mais intensa do que eu esperava, e claro, sempre enriquecedora. Digo isso pois algumas distinções nas práticas culturais não estavam previstas, por exemplo:
— O que se escuta e o que se dança na tríplice fronteira?!
Acreditem, por mais que a música apresente características tão peculiares de uma região para outra, e isso seja tão evidente, eu não contava com tamanha distinção no eixo Minas/Paraná.
E como são distintos esses dois Estados… Não vou dirigir esse texto para debates históricos e políticos, mas para que se entenda a origem dessas diferenças que se dão, é necessário termos em mente duas coisas: fronteiras geográficas e diversidade linguística. A necessidade de pertencermos a um grupo e nos identificarmos em uma cultura, vincula a nossa existência e nossas práticas à construções sociais.
Já pensaram como é o processo de auto-reconhecimento identitário de alguém que vive praticamente entre três países?! Eu já sabia que essas convenções se davam através da língua e das demarcações territoriais, que eram atravessadas por “N” questões relacionadas aos conceitos de cultura, mas confesso… Em momento algum pensei em como seria a experiência sonora musical de alguém que vive na tríplice fronteira. Digo:
— Em que idioma escutam música?!
— Os ritmos são híbridos ou não?
Bem, cá estou eu, um pouco mais conhecedor para arriscar ensaiar algo sobre isso e levar a vocês. E arrisco também dizer que ao contrário das fronteiras geográficas (marcadas por dois rios) as fronteiras culturais se misturam. Aqui se escuta de tudo! Claro que em cada país se tem construções diferentes que emergem musicalidades distintas, no entanto, além das diferenças fragmentadas podemos ver o surgimento de novos ritmos, novas línguas, o que nos leva a perceber a região da tríplice fronteira quase como um quarto país.
A cidade paraguaia vizinha (Ciudad del Este) assemelha-se mais a Foz do Iguaçu do que a capital paraguaia Asunción. A cidade argentina vizinha (Puerto Iguazú) assemelha-se mais a Foz do Iguaçu do que a capital Buenos Aires. E claro, Foz do Iguaçu não carrega as mesmas configurações que uma cidade que sustenta a tradicionalidade brasileira. Além de Foz do Iguaçu ser uma cidade fronteiriça, também possui a maior comunidade Árabe do Brasil, e outras comunidades imigrantes como Japoneses, Coreanos e também de todo eixo latino-americano.
Em meio a tantas culturas é normal escutarmos idiomas distintos, tanto em diálogos quanto em músicas, mas eu também não esperava isso nas “baladas”… E sério… É bem diferente aos olhos de alguém que veio do Sudeste e o Estado não faz fronteira com outros países. Um pouco de Cumbia, eletrônico, Reggaeton (muito Reggaeton), funk e pop… algumas músicas aqui parecem hinos… Músicas que eu nunca ouvi em nenhuma outra parte do país, menos ainda na TV!
Bom, eu poderia fazer uma etnografia enorme sobre essas experiências sonoras, porém concluo indicando um álbum do Manu Chao, chamado Portuñol. E apesar do artista não ser da região e o portuñol não ser uma língua oficializada aqui, ele existe, e sua existência marca a necessidade das pessoas de interagirem e se comunicarem independente de fronteiras imaginadas ou não, característica que descreve bem o que é viver na fronteira.
A língua é o que dá sentido a nossa existência e molda nossa realidade, portanto é importante estarmos abertos aquilo que nos soa diferente, pois são apenas configurações distintas de existir.
E pra não terminarmos sem música, disfrutalo:
Mano Chao – Portuñol