DIÁLOGOS

Os sons e as dinâmicas da cidade

É preciso sublinhar as subjetividades

Cotidianamente somos postos diante da dureza da cidade, seja por meio das ideias pré-concebidas ou pelas fissuras sociais que evidenciam uma ideia de urbanicidade inclusiva que não se concretiza. O desejo de construir afetos aparece como possibilidade de rasgar o véu da sociedade higienista em que vivemos.

Os dias, embaixo do Sol, próximos ao asfalto, estão cheios de desventuras, de manchas, de desalentos. Em meios a tantas imagens, sons e ruídos, há pequenos modos de vida que buscam emergir e dar um novo corte aos espaços, construir novas perspectivas diante da constante tentativa de silenciamento.

Esses movimentos não são simples, já que a cidade está impregnada de marcas elitistas. Cabe a nós (todo e qualquer habitante) interferir e construir novos espaços, novas visões, novos desenhos.

A cultura segue empunhado um importante estandarte: a subjetividade movente e viva. Por vezes, os trabalhadores, os artistas e os produtores desse segmento não recebem (financeira e socialmente) o que lhes é devido, mas seguem contribuindo para a disseminação de conhecimento.

Enquanto ação democrática e popular, a cultura deve estar disponível – para além de aplicativos e plataformas digitais, onde escolhemos livre e individualmente o que ouvir e ver. A cultura enquanto ação transformadora deve chegar a todos, de forma ampla.

A busca por pertencimento atinge a cada um de nós, e assim, o desejo de um “de um lugar nesse clarão” esbarra na busca pela subjetividade. Na canção “Casa”, da banda carioca Baleia, visualizamos os indivíduos que correm em direção a padronização, não há questionamentos, há apenas aceitação do que é imposto. O que se esquece é que essa padronização “rima com a morte”. É preciso realçar as subjetividades, dá vazão aos aspectos orgânicos e subjetivos.

O atropelo e a sobreposição não geram sons, mas ranhuras na comunicação. Porém, quando passamos por um artista de rua, ouvimos atentamente o que sua voz, ou seu instrumento, nos diz. Ainda que não saibamos nada sobre o som que toma a rua. Estamos diante de um rompimento com a norma.

Cotidianamente colocamos nossos fones de ouvidos e partimos para o trabalho, para os estudos, para n compromissos, sem nos darmos conta de que o que ouvimos (em nosso espaço particular e privado) pode adentrar a paisagem que ajudamos a construir: a cidade.

O espaço urbano que ocupamos não nos foi oferecido de “mão beijada”, nós ajudamos a constituí-lo. É importante considerar que a dinâmica da cidade nos afeta, e que o oposto também pode acontecer. Sendo assim, a maneira como nos apresentamos ao fluxo de gente diz do nosso desejo de ser parte de um todo, preservando o que temos de singular.

Andar pela cidade é identificar quais os efeitos de um sistema que uniformiza, sem considerar as especificidades. Prestar atenção nos sons da rua, e estabelecer diálogo com eles, pode resultar em uma potência ensurdecedora, até então ignorada.

Às vezes é preciso tirar os fones do ouvido e ser parte desse todo a fim de compreender qual a nossa contribuição para as movimentações sociais e culturais dos locais que frequentamos.

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Letícia Miranda

Artista visual e poeta, Letícia se interessa pelas interseções entre poesia e som, poesia e imagem. Por meio de recortes busca ligar o que parece distante. Está há mais de dois anos escrevendo sobre, e a partir, da música. Além de colunista da Escuta atua como redatora no Música Pavê.

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