BRASILEIRADIÁLOGOS

Paulo Chaves e Hadna Abreu: os enlaces artísticos

Em perspectivas diferentes os dois artistas se deixam inundar pela arte, transbordando sua essência

O pulo pode ser visto como uma forma de alavancar e reformular espaços, mas também como um caminho incerto e nebuloso. Ler o pulo como salto é como enxergar as implicações em lançar-se ao desconhecido, indo pela intuição. Sentir pode ser caro, e esse é um risco a se correr no que diz respeito a arte. Entre as canções do brasiliense Paulo Chaves e as pinturas (e desenhos) da amazonense Hadna Abreu, há uma imensidão de sensações.

Entre Amazonas e Brasília há uma áurea ligada a natureza. Com Desafogo (2018) Paulo traz um transbordar de águas, que pode até soar como uma metáfora para a secura dessas terras centrais. Já Hadna, incorpora a floresta, a terra, as águas que banham o Amazonas. A reverberação dessas nuances é apenas uma porta de entrada para esses trabalhos tão singulares.

Enquanto violista, compositor e cantor, Paulo Chaves coloca sua voz a serviço da música, fazendo um percurso entre circunstâncias afetivas e difíceis decisões. Como o nome do seu disco (solo) de estreia sugere, empregar a voz é uma forma de evidenciar o “estado de quem se desabafou”, de quem agora pode respirar.

O violão parece abrir espaço para uma libertação do ser. E quanto tem sido complicado ser livre, ou sentir-se minimamente em liberdade. Respirar depois de uma imersão; sair vivo da água. Pensar em maneiras de se colocar a frente (com ou sem medo) para destrinchar o caminho, ou como escreveu Hadna Abreu, “Não se trata de escrever poesias, nem de pintá-las. Assim como os sonhos, tudo faz sentido até você acordar”.

A artista plástica, acredita na arte como movimento transformador, como forma de dizer de outras belezas e tempos, como forma de lembrar. Em suas oficinas, Hadna, busca reforçar a relação entre o olhar e o ato de se colocar diante do papel, propondo uma aproximação entre observador e objeto, como dar um zoom na imensidão de possibilidades.

Esse recorte, em meio a um universo vasto de opções, é, certamente, uma das implicações poéticas da arte. Não é possível abranger tudo. Deter o olhar sobre algo e trabalhar minuciosamente ali é uma forma honesta de dizer dos limites humanos, mas também de afirmar a importância de cada processo artístico, que dentro de suas especificidades oferece um olhar singular sobre o mundo.

Seja por meio da música ou das artes visuais, comunicar aquilo que se vê é sobre estar acordado, focalizando o que se coloca ao redor. A capacidade humana de nomear as coisas possibilita catar os cacos, recolher esses momentos de subjetividade para não esquecer. O filósofo alemão, Walter Benjamin, considerava “que a função da linguagem não é comunicar, mas compartilhar sua essência”, como sublinha Luiz Cláudio da Costa, em seu livro “A gravidade da imagem: arte e memória na contemporaneidade”.

Entre uma pintura de Hadna Abreu e a capa do disco de Paulo Chaves, há o compartilhamento de uma essência, não idêntica, mas em diálogo. Tanto na pintura, quanto na fotografia da capa vemos um vestígio humanos evidenciado por partes dos corpos que estão fora da água. Na pintura as mãos, na fotografia as pernas.

Foto: Hadna Abreu
Foto: Carine Wallauer

Indivíduos que vão ao encontro das águas de formas distintas estão unidos pela essência da arte, pela expressão artística, pela libertação possível. Manuel Bandeira, no último verso em seu poema “Poética”, disse: “não quero saber do lirismo que não é libertação”.

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Letícia Miranda

Artista visual e poeta, Letícia se interessa pelas interseções entre poesia e som, poesia e imagem. Por meio de recortes busca ligar o que parece distante. Está há mais de dois anos escrevendo sobre, e a partir, da música. Além de colunista da Escuta atua como redatora no Música Pavê.

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