
A paisagem de Chihuahua pode não parecer muito convidativa, mas possibilita extensas reflexões, imagens e sons. O Estado fica ao norte do México e é uma das formas mais “fáceis” de entrar nos Estados Unidos da América. É nessa região de fronteira (extremamente desgastada pela violência) que a banda Coma Pony desenha suas paisagens melancólicas e a fotógrafa Alejandra Aragón expressa seu olhar sobre o espaço que habita.
Entre a fotografia de Alejandra e a sonoridade de Coma Pony (a banda pode ser lida, atualmente, como um duo, por ser formada por Chuy e Marco) está uma realidade dura e árida. O que esses trabalhos parecem trazer à tona diz de um modo de vida, de enxergar no deserto o lado humano e subjetivo.
Aragón investiga os vínculos entre violência, memória e representação afim de compreender como se constrói o imaginário e as identidades de fronteira. Assim, esboça um desenho de futuro, busca pensar as possibilidades; “converte memória em um arquivo vivo que amplifica” as vozes.
Alejandra nasceu na Ciudad Juárez, uma das maiores e mais violentas cidades do país (segundo a Wikipédia é “classifica como a mais violenta do mundo” superando a cidade de Gaza na Palestina). Ao escrever sobre o fotolivro “A La Juárez” (2013) a mexicana destaca tanto a composição do trabalho quanto os efeitos: “Fotolivro que compila imagens, relatos e fragmentos de canções parte de uma nostálgica atmosfera da avenida Juárez e suas ruas lotadas. Buscando resgatar as anedotas e experiências de personagens e lugares destruídos por um governo sem memória”.
O crítico, poeta e ensaísta mexicano, Octavio Paz, em seu texto “Os Filhos da Malinche”, ressalta que a memória poderá esclarecer, mas não dissipar, “a origem de muitos dos nossos fantasmas”. Para ele, “a história nos ajuda a entender certos aspectos do nosso caráter”, mas “só nós podemos responder às perguntas da realidade e do nosso próprio ser”. Ao dizer de um governo sem memória (algo muito similar ao que vemos em nosso País) Alejandra grifa o lugar dos fatos históricos, do que Octavio Paz chamou de “realidade indissolúvel”.
Construir imaginários (variados) para pensar imagens cotidianas parece ser uma forma de dar corpo a dor, mas também a modos de estar vivo. Uma marca dessa memória que não pode ser apagar – apesar do poder hegemônico. Tanto Alejandra quanto Coma Pony encaram a aridez que cerca Chihuahua e se deparam com uma paisagem que abre espaço para dizer do peso e do valor da vida.
A melancolia percorre tanto as fotografias de Aragón quanto os instrumentos – aparentemente simples – de Coma Pony. Em entrevista ao Indie Rocks Marco declarou: “Coma Pony é algo que te faz sentir bem, que não julga ninguém; cujo único propósito é que com suas melodias bonitas te faça dançar ou balançar a cabeça e que esqueça de tudo que for ruim”. Ao classificarem o trabalho que fazem como “lovely and sad” sublinham amor e tristeza, melancolia e alegria; em um jogo dual entre o que se vê e vive.
Os nomes dados aos EP’s e as canções contribuem para os traços narrativos-descritivos do duo. O último trabalho lançado “Bonito” (2018) coloca desejo (com a faixa “Cuando Sabes Que Nunca Fue”), memória (em “El Recuerdo Que Nos Hace Bailar) e presença (com “Volviendo A Ser Lo Mismo) em diálogo.
Chuy e Marco desenham lindas paisagens sobre o deserto, como quem busca uma miragem para tomar como sua. Alejandra trabalha com a dureza para dizer do que não vem como miragem, mas como realidade. Os dois movimentos dialogam e dizem de realidades similares, marcam recortes e elaboram sensações.
Esses modos de ver e sentir a vida passam por certos atravessamentos como sublinhar Aragón, em entrevista ao Everyday La Frontera: “me dei conta de como a violência atravessa todos os aspectos da vida”.
Entre Alejandra e Coma Pony há vida e memória, como ensaios sobre forma de lembrar. Seja pela via que busca suavidade, sem esquecer de fato da dureza, ou pela via da marcação, do que grifa e sublinha essa imagens, que não podem ser esquecida.