subterrâneo: Rap e uma festa punk, coluna de devana babu

Eu e você somos escapistas. Escapistas ao extremo. Digo isso porque estou no Itapoã em uma festa punk, e desde as 4h20 está tocando rap. Agora, nomeadamente, Castelo de Madeira, um clássico, que ouço deitado no colchão do quarto de um dos aniversariantes. Digo que somos escapistas não como uma crítica, muito menos como um elogio, mas simplesmente como uma análise. Por muito tempo isso foi motivo de orgulho pra nós, e ainda é. Nunca se tratou de fugir tolamente da realidade asfixiante, mas de um manifesto, uma rebelião contra os ditames e os costumes que dizem que nós, pobres seres periféricos de São Sebastião, não temos direito a uma subjetividade, a voos de genialidade.
Nosso destino consumado a ser rappers e masturbar indefinidamente essa nossa realidade pobre e limitante, nosso único tema possível é nossa miséria material. Como dignos gênios e criadores de realidades que somos, optamos, cada um à sua maneira, por dar vazão ao nosso ser dionisíaco e superior pelo viés prático da nossa forma artística. Por isso resolvemos cantar a nossa miséria espiritual, contra todas as recomendações pressões contrárias.
Nesse momento, entretanto, ouvindo o rap, fui confrontado com a realidade que desde nossa tenra infância foi nossa. Somos inevitavelmente sansebastianenses, com reverberacões ceilandenses e ecos itapoanos nos subterrâneos do metrô de Taguatinga, etc. e a porra toda. Ouvimos essas músicas e não conseguimos evitar que essa atmosfera, ainda que não seja a nossa estética inferior, é perfeitamente o retrato do lugar em que crescemos e essa coisa de Brasília, essa Brasília plano piloto que somos forçados a frequentar e essa Brasília são Sebas-ceilândia-paranoá-itapoã que vimos crescendo e só entendemos um pouco agora.
Esses lugares essas frases esses maneirismos que reconhecemos porque estivemos sempre lá, tudo ao redor de nós, com nossa interferência mas apenas isso: uma interferência neste isto que estava lá e que ouvimos pelos graves e beats de Carro de malandro, rosas e outros clássicos made in quebrada sobretudo anos 90.
Os punks estão lá fora ouvindo só esses raps desde às 4h20, exatamente quando abandonei a roda punk e fui deitar. Rebeldemente, é isso que nós somos de certa forma. Eu disse a um desses punks, que anotou em seu bloco de notas, que nós não somos vítima do nosso tempo. E ainda assim, não sendo vítimas, somos de alguma forma esse lugar que habitamos, e é impossível não nos reconhecer nesses raps. E um punk/rapper da Ceilândia lançou esses dias a música Crossover hardcore hip hop.
Somos dândis da periferia, príncipes do morro, em castelos de madeira.
Muito mais há para ser dito, mas temos muitas artes pra dizê-lo. E não há mais nada a dizer.