BRASILEIRADIÁLOGOS

As provocações de Giovani Cidreira e do Cinema Novo: a instabilidade necessária

Sobre a possibilidade de conversa entre a música e o cinema brasileiro

Entre o estranho e o familiar, Giovani Cidreira (sobretudo em seu último disco, Japanese Food) causa certa instabilidade. O baiano, erradicado em São Paulo, carrega uma assinatura, não como algo delimitador, mas como uma forma de colocar seu trabalho no mundo. Entre a melancolia e a experimentação.

Sem reducionismos, Cidreira parece nos dar uma pista: somos espectadores dessas canções, como uma forma de ser sempre estrangeiro (como em “Um Capoeira”), mas ainda assim participantes, pois estamos envolvidos e implicados no ato da escuta.

Em entrevista ao Itaú Cultural o compositor afirma que em Japanese Food passou a não se levar tão a sério, e não é difícil enxergar isso no disco. Seja pelos versos (a faixa “Última Vida Submarina” é um bom exemplo disso), pela identidade visual inspirada pelo vaporwave ou pela total desprentensão do nome do álbum. E isso me faz lembrar do Cinema Novo, a “primeira face” de um cinema brasileiro.

Na metade dos anos 50 surgia esse movimento cinematográfico movido pelo desejo de responder à instabilidade racial e classista no País. Com um lema categoricamente simples, acreditava, e fazia uso e jus a essa crença, que para fazer um filme bastava “uma câmera na mão e uma ideia na cabeça”.

Ao realizar filmes com base no que se tinha, o Cinema Novo inaugura uma forma de ver e um modo de fazer. Giovani Cidreira parece seguir um caminho semelhante. Não como quem “dá origem” a música independente, mas como quem explora um modo fluído de se fazer isso.

O que pode haver de semelhança entre essas duas linguagens artísticas diz mais sobre desenhar encontros do que demarcar características convergentes.

Tanto Giovani quanto o Cinema Novo (não considerando algum autor/diretor em especial, mas o movimento em si, em suas três fases) demandam um certo tempo, uma estadia, uma demora. Absorver essas produções diz de um processo, seja ele de escuta ou de leitura. Instigam e provocam seu espectador-ouvinte a interagir com a instabilidade que geram.

A presença de elementos cotidianos, comuns em muitas realidades, aparecem sob uma outra ótica, tanto no Cinema Novo quanto na música de Cidreira, promovendo um certo descompasso.

Giovani, ao construir arranjos não óbvios, cria ambientes novos. Não é sobre uma experimentação desordenada, mas sobre um olhar interessado. Há um movimento consciente diante desses rearranjos, como quem sabe reposicionar aspectos corriqueiros. O tom “realista” segue em seu novo lançamento. A canção “Pode Me Odiar Agora”, e o clipe que a acompanha, traz um fluxo de imagens de aplicativos de celular e explora a interação entre a letra da música e a interatividade por meio de mensagens instantâneas.

O jornalista, Marcelo Costa, do Scream & Yell, disse que Japanese Food era “uma coisa meio torta” para dizer das misturas que Giovani Cidreira realizou dentro desse trabalho ao explorar referências que pareciam difíceis de se entrelaçarem. Ao proporcionar essa “coisa meio torta”, meio estranha, um novo percurso se abre.

Assim como o Cinema Novo motivou a formação de um Cinema Marginal, Giovani Cidreira parece abrir caminho para uma experimentação consciente e consistente, entregando materiais complexo, mas nunca inacessíveis, dizendo de realidades próximas e deixando bem a vista a importância de movimentos e artistas que geram instabilidade. Algo se move nessa sacodida, nesse lugar não óbvio, onde não sabemos exatamente o que será colocado diante de nós.

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Letícia Miranda

Artista visual e poeta, Letícia se interessa pelas interseções entre poesia e som, poesia e imagem. Por meio de recortes busca ligar o que parece distante. Está há mais de dois anos escrevendo sobre, e a partir, da música. Além de colunista da Escuta atua como redatora no Música Pavê.

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