EXCLUSIVA: Jorge Cabeleira fala sobre novo álbum e o rock do Pernambuco
Sobre o 'Rock Rural': "Nunca moramos no campo, nosso rock é urbano"

No auge do manguebeat em Pernambuco surgia Jorge Cabeleira e o Dia em Que Seremos Todos Inúteis fazendo um rock setentista psicodélico puxado pro blues e misturado com o baião. Com 25 anos de carreira a banda trabalhou muito entre o álbum de estréia em 95 e o segundo Alugam-se Asas Para o Carnaval em 2001. Em 2013 retomaram a agenda de shows circulando pelo Brasil passando por importantes palcos como RecBeat em Recife/PE e em Natal/RN no Festival DoSol em 2014.
Três anos depois, entre o trabalho e os ensaios surge a necessidade de entrarem em estúdio novamente para a gravação de um disco, que vem carregado com quase 18 anos de experiência acumulada. O álbum III saiu em maio e foi gravado no Estúdio Casona no bairro de Candeias, em Jaboatão dos Guararapes. Incluindo a faixa Talismã de Alceu Valença e Geraldo Azevedo, interpretada em parceria com a banda Tagore.
Instigadas pela obra, que apesar de carregar muito das sonoridades clássicas da banda, é toda reinventada e moderna, conversamos com o vocalista Dirceu Melo, que não demorou em responder nossos e-mails.
– Jorge Cabeleira é uma banda que não pára. Como funciona a dinâmica de tempo e o intervalo entre os trabalhos? O que vocês fazem além?
O grupo se separou em 2002, pouco depois de ter lançado o segundo disco. Depois voltamos aos shows em 2013 com o lançamento de uma coletânea para comemorar 20 anos da banda. Desde então estamos nos apresentando e desenvolvendo as músicas novas que estão nesse novo disco.
Temos outras atividades além do trabalho com a banda, eu (Dirceu) produzo festivais de música e toco em outros bandas como a Deltas, Manga Rosa e Eta Carinae. Coelho é produtor musical e desenvolve seu trabalho solo de música eletrônica chamada GRASSMASS, e o Mesel trabalha com informática, analista de segurança.
– E o processo criativo e de composição do novo álbum, como foi?
Começamos a compor, gravar e produzir lá por novembro de 2017, nos alongamos por todo 2018 entrando nos finalmente depois do Carnaval. No início de maio finalmente entregamos o resultado final, pois decidimos de última hora incluir uma música que estava ficando de fora até então.
Nossa única condição quando decidimos fazer o disco foi de que ele teria de ser um disco “ FODA”, para isso não trabalhamos com nenhum tipo de pressão ou motivação, além da que o disco demoraria o tempo a ser feito necessário, a que atingíssemos um resultado. Que a gente pudesse nos orgulhar depois, assim como temos esse orgulho dos dois anteriores.
Muita coisa foi feita comigo apresentando, propondo uma letra e harmonia para que desenvolvêssemos o restante e o mesmo com Coelho mostrando uma ideia e estrutura pra gente desenvolver em cima. Também gravamos jams onde partes dos improvisos foram usados como espinha dorsal para estruturar uma música, tudo de forma bem fluida, trabalhando com o que se tinha de ideia na mão e no momento.
– Como é pra vocês essa parada de misturar rock e blues a ritmos nordestinos como o baião?E como é dar um tom psicodélico a esta sonoridade?
Essa fusão é o que marca nossa identidade como banda. Veio e sempre soou de forma natural para quem mora no Nordeste e desde o berço ouvia Luis Gonzaga, Jacson do pandeiro nas festas de São João. Como rockeiros inspirados nos grupos que gostamos como The Doors, Beatles, Stones, Hendrix e principalmente Led Zepellin. A psicodelia sempre foi uma característica forte no que ouvimos e produzimos. Começamos a misturar tudo isso lá pelo início dos anos 90 e deu liga quase que instantaneamente.
– Que história é essa de rock rural?
Não conheço … rs rs.. nunca moramos no campo, nosso rock é urbano, mas antenado às nossas raízes e tradições locais da região onde nascemos.
– E como vocês veem as mudanças geracionais no rock brasileiro?
Infelizmente acho que estamos passando por uma antessafra para o rock brasileiro, a maioria dos nomes novos e interessantes não estão trabalhando com esse estilo de forma explícita, embora sempre presente a atitude.
– O manguebeat ainda está entre nós?
Sim , enquanto estiverem na ativa bandas como a nossa, a Nação Zumbi, Mundo Livre S.A., Eddie, Cordel do Fogo Encantado e outras, o manguebeat segue vivo!
– Quem indicam que tem feito um trabalho nacional bacana?
Além das anteriores, Baiana System, Edgar, Céu, Djonga, o novo do Cordel … sempre tem coisas interessantes para ouvidos ansiosos em ouvir boa música, basta dar uma procuradinha.
ESCUTE AGORA MESMO!
FAIXA A FAIXA:
Por Dirceu e Coelho
Caminho Imaginário – Escolhemos essa para abrir o disco justamente porque mostramos muito de nossa identidade nessa música. Um riff de guitarra pesado na abertura, bem anos 70. Época pré-heavy metal inspirado em bandas como Led Zepellin e Deep Purple, seguindo para um groove de bateria e divisão rítmica do baião, passando por escalas árabes e alguns acordes, com notas abertas que permeiam toda a figura harmônica, tudo emoldurando uma letra bastante psicodélica, tratando-se do “Caminho Imaginário” que a mente faz quando se permite viajar “em torno da fogueira”.
O homem no canto do bar – Essa foi a primeira música que escrevi quando decidi voltar a compor para a Jorge Cabeleira, a primeira que mostrei pra Coelho e Mesel na nossa primeira reunião de composição. Ela já nasceu bem formatada, numa levada bluseira para a primeira parte com direito a afinação aberta e slide de guitarra. Evoluindo para outras partes mais hard-rock melódico e funkeado que me lembra um pouco o Red Hot Chilli Peppers. Finalizando com uma parte instrumental viajandona com acordes progressivos onde também inserimos uma escaleta para completar a harmonia junto das guitarras e do baixo line 6 de Coelho.
Doce Sombra – Essa é uma das músicas que foram formatadas com uma estrutura básica que saiu de jams no estúdio. Uma música mais leve com uma letra e atmosfera melancólicas, que mostram bastante de nossa admiração e influência pelo Radiohead, para mim, uma das minhas preferidas.
Talismã – Foi a música de “esquenta” para o disco. Lançada no final do ano passado. Uma releitura rock do clássico dos anos 70 do primeiro disco da carreira de Alceu Valença e Geraldo Azevedo, o “Quadrafônico”. A ideia de fazer uma releitura para ela nasceu de canjas com Tagore quando tocávamos ela no violão em duas vozes simultâneas e ficou tão bacana que decidimos fazer uma versão para ela. Na versão usamos referências psicodélicas como Neil Young e Tame Impala para chegarmos na pegada que desejávamos para a música.
Arábica – Essa música foi toda estruturada por Coelho em cima de uma escala harmônica árabe, como o próprio nome da música já diz. A divisão rítmica dela segue muito do trabalho de produção de música eletrônica que Coelho faz em seus projetos como o Grassmass. Com a adição de instrumentos como a viola “Dobro” em afinação nordestina e a “Baglama”, instrumento de cordas turco. Conseguimos chegar a uma sonoridade bem diferente de tudo que a banda já tinha feito antes. Montada essa estrutura da música, foi só deixar a imaginação correr solta para a letra, que é compacta, se encaixando cada palavra na música com uma preocupação mais rítmica de como a palavra soa do que propriamente do que a palavra diz.
Brilho – Essa música foi toda composta em uma jam que fizemos e gravamos a quase 3 anos, escrevendo uma letra inspirada em cânticos do “Santo Daime” e colocando na música na hora mesmo que estávamos fazendo, nem tínhamos a intenção de gravar outro disco nem nada, mas a música ficou tão bacana que ficou na manga para uma oportunidade e ela apareceu pro disco. Tem uma pegada bem Ledzepelliana na sua origem, aí em estúdio resolvemos fazer uma parte B para ela em Dub, outro estilo que curtimos muito também.
Mamaterial – Perto de metade do disco foi criada em jams de estúdio, e levadas depois pra UIVO (produtora de Coelho em São Paulo) pra editar e montar um esqueleto, que foi coberto nas viagens subsequentes a Recife. “Mamaterial” saiu de um riff meio stoner, e foi a última a entrar no álbum.
Sete quedas – Também surgiu de uma ideia durante as jams do começo do álbum, destinadas a criar mais músicas e completar o repertório. É um tema em 7/8 que reflete bem esse estilo meio mântrico/modal das composições de Coelho. Montamos os arranjos em volta, e ficou tão bom que decidimos que essa deveria ser só instrumental, na tradição do que fizemos no disco passado.