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Agnes Nunes a 100 por hora

Uma prosa sobre o tempo voraz (e delicado) da jovem cantora que já está fazendo história

Agnes Nunes é baiana de nascimento, foi em Feira de Santana que veio ao mundo, mas é da Paraíba, para onde se mudou quando criança, que lhe soa o sotaque, a musicalidade e a beleza.

Viveu em Jericó, no sertão, depois em Campina Grande e agora no mundo. Agnes tem transitado pelo país e costurado importantes parcerias musicais.

Um destaque que a singularizou, desde os primeiros vídeos em suas redes sociais, é a sua relação com a câmera, o seu olhar que atravessa fundo quem a vê com tanta exuberância afrocentrada. Não por outro motivo ela tem recebido muitas mensagens de apoio e agradecimento pelo empoderamento que inspira em outros jovens negros.

Como vem contando, Agnes canta desde os 9 anos e sempre foi autodidata no ramo musical, tendo aprendido a tocar teclado desde os 13 anos de idade, quando ganhou o instrumento de presente da mãe.

Descendente de uma família musical, sua mãe e tia já cantaram, ela apareceu no radar cultural do país em virtude do destaque que alcançou nas redes sociais cantando covers inspirados, românticos e delicados de nomes como Baco Exu do Blues, Francisco, el Hombre e Gal Costa.

Agnes Nunes – Me Desculpa Jay-Z (Baco Exu do Blues).

“Como coloco muito sentimento naquilo que faço, ou é para chorar, ou é para rir. Então as pessoas começaram a se identificar com o momento da vida delas, postaram e compartilharam. Cresceu numa perspectiva que assustou um pouco. Fiquei assustada porque nunca tinha visto tanta gente falando bem do que eu fazia”

 

Assim como acontece em todo trabalho original e verdadeiro, o som de Agnes apareceu já despertando o interesse de muitos artistas, alguns dos quais já ídolos seus.

Foi assim que foi convidada a gravar uma música no novo disco de Chico Cesar, “De peito aberto”, canção feita pelo paraibano sobre empoderamento feminino. O novo álbum de Cesar está prestes a sair do forno.

Além de Chico Cesar, Elba Ramalho também não perdeu tempo e a convidou para dueto gravado no São João de Campina Grande para o seu próximo DVD. Um encontro único de duas personalidades marcantes da música brasileira, uma, de carreira já consolidada, puxando a outra para o palco, como assevera o feminismo negro.

 

Agnes Nunes – 100 por hora (Agnes Nunes).

 

A cantora já lançou algumas músicas profissionalmente, tanto solo, como é o caso de “100 por hora”, música urbana, afrofuturista e deliciosamente preta em suas intenções e percepções da vida.

O clipe é um primor que, em comparação com produções maiores, não deixa nada a desejar. A cantora, ainda menina, aparece com atitude, consciência de si e força poética em locações que remetem a um mundo moderno e de futuros possíveis para o povo preto.

Tanto “100 por hora” quanto “Segredo” foram lançadas pela gravadora Bagua Records, assim como o instigante projeto “Elas por elas” gravado com o artista de hip hop Xamã.

Cantando sobre Cida, Rose, Sônia e Dolores, Agnes e Xamã trabalham a dimensão prática e humana de muitas mulheres reais no mundo em que vivemos.

Do coração de mãe guerreira de Rose (Agnes Nunes/Xamã) às flores no cabelo solto de Dolores (Agnes Nunes/Xamã), as músicas do projeto falam das vidas comuns das mulheres que não falam por sim, mas das quais se fala em cada uma das canções.

 

Agnes Nunes e Xamã – [Elas por elas] Dolores (Agnes Nunes e Xamã).

 

Os clipes do projeto Elas por elas, como o clipe de 100 por hora, tem direção de Dauto Galli, que já trabalhou na tradução visual da arte de nomes como Jaloo e Mayra Andrade.

Os clipes projetam cenários que vão desde as cores quentes e plantas tropicais de “Sônia”, em diálogo com o azul aberto de “Cida”, ao minimalismo e cores sóbrias de “Rose” e “Dolores”.

A estética dos clipes diverge, mas tem em comum a linguagem contemporânea compreendida e compartilhada pela juventude negra aqui e nos demais países que tem revelado novas sonoridades a partir do hip hop e do pop, como os Estados Unidos.

 

Agnes Nunes e Xamã – [Elas por elas] Cida (Agnes Nunes e Xamã)

 

Aclamada sendo tão jovem, sob Agnes paira uma imensa expectativa daquilo que ainda virá.

Tudo o que fez até aqui ressoou potência e promessa de futuro com a cor, a alegria e a dor da mulher negra em nosso país. Aguardamos todas e todos por seu álbum de estreia, mas sem o peso das expectativas paralisantes.

Queremos vê-la a 100 por hora, mas também com todo o autocuidado necessário para a preservação do que é mais importante.

Que a menina do Jericó permaneça em cada passo e em cada novo sucesso da mulher que se constrói na música. Que ela ganhe o mundo, mas que entenda o tempo da delicadeza que a arte exige.

Como disse em certa entrevista a arte é como seu coração e a música o sangue que o seu coração bombeia.

Depois de vê-la e, sobretudo, ouvi-la, não nos restam dúvidas.

 

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Fredson Carneiro

Baiano de Ibititá, sou apaixonado por música desde sempre. Sendo um diletante nas artes, sou mestre em Direitos Humanos pela Universidade de Brasília e doutorando em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, onde desenvolvo pesquisa sobre as transformações promovidas no direito e na política pelas lutas das pessoas transvestigeneres. Sobre a vida e a música, concordo com Milton Nascimento: "Há canções e há momentos/Em que a voz vem da raiz/Eu não sei se é quando triste/Ou se quando sou feliz/Eu só sei que há momento/Que se casa com canção/De fazer tal casamento/Vive a minha profissão".

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